Baleado há dois meses, Lucas Lyra faz aniversário no hospital e evolui

Torcedor do Náutico foi atingido por uma bala na cabeça em frente aos Aflitos; nesta terça, ele completa 20 anos e família comemora recuperação

Poucos são os que reúnem forças para carregar o fardo de uma tragédia. Com um drama sobre as costas, a família do jovem Lucas Lyra viveria nesta terça-feira uma data comemorativa. No entanto, mãe e irmãos do rapaz têm pouco a celebrar. O jovem torcedor do Náutico sempre teve o dia 16 de abril, data do seu aniversário, como um dia feliz. Porém, há dois meses, no dia 16 de fevereiro, ele foi baleado na cabeça em frente ao estádio dos Aflitos pouco antes de um jogo entre o Timbu e o Central pelo Campeonato Pernambucano.

Desde então, Lucas Lyra está internado na UTI de um hospital público pernambucano. A luta ainda é intensa por parte dele e de seus familiares. Enquanto o jovem completa 20 anos de idade em uma cama de hospital, a felicidade da família ocorre em pequenas doses, a cada boletim médico divulgado. Em evolução, Lucas superou a fase mais crítica - quando as previsões sobre sua sobrevivência eram desanimadoras. Agora, ele passa por um tratamento para tentar recuperar os movimentos pouco a pouco, conhecido no jargão médico como cinesioterapia.

- Esperamos que até a próxima semana ele seja liberado para uma unidade de terapia semi-intensiva. A nossa confiança está ótima. Seguimos confiantes na recuperação do Lucas. Ele mexe o lado direito do corpo de uma maneira progressiva, respira sem aparelhos e se comunica com os olhos. É um avanço considerável - disse Cristina Lyra, mãe do garoto.

Mirella Lyra saiu do emprego para poder dar atenção ao irmão no hospital (Foto: Lula Moraes)

A convicção cresce a cada dia que se passa. A rotina da família se transformou completamente em função de Lucas.

- A irmã dele, a Mirella, teve que sair do emprego. Ela pediu demissão para poder se dedicar totalmente ao Lucas. Vivemos 24 horas pensando nele, vivendo por ele. Estamos sempre no Hospital da Restauração e quando o Joel, outro irmão dele, larga do colégio, também vai para o hospital e só à de noite.

A união por Lucas não se restringe à família. Amigos se mobilizaram em prol do garoto e conseguiram parceiros além da rivalidade clubística. Representantes do Náutico, time do jovem torcedor, e do Santa Cruz e Sport agiram para ajudar os familiares do jovem após o incidente.

Natan, meia do Santa Cruz, entrou na campanha
pelo jovem (Foto:Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

- Fizemos um bingo para arrecadar fundos para pagar o tratamento e tanto o Náutico como o Sport e o Santa Cruz ajudaram bastante com vários produtos. Inclusive, o Renan Teixeira, jogador do Sport, doou sangue para o Lucas. O Náutico também se dispôs a ajudar no que a gente precisasse. Só é ligar para lá que o Náutico ajuda. Mas, no momento, estamos bem satisfeitos com o tratamento que ele vem recebendo. São profissionais excelentes e dedicados. O Lucas está tendo tudo do melhor no tratamento.

Mas uma coisa ainda incomoda Cristina. A falta de apoio da Federação Pernambucana de Futebol (FPF).

- Eu ouvi dizer que eles iam dar cadeira de rodas e uma cama hospitalar. Mas só vi isso na imprensa, lendo e ouvindo. Nós até agora não recebemos nenhuma ligação da Federação.

Enquanto não tem ajuda da Federação Pernambucana de Futebol, a família Lyra se apega aos amigos, que estarão juntos mais uma vez neste 16 de abril.

A irmã dele, a Mirella, teve que sair do emprego. Ela pediu demissão para poder se dedicar totalmente ao Lucas. Vivemos 24 horas pensando nele, vivendo por ele"

Cristina Lyra, mãe de Lucas Lyra

- Vamos fazer uma grande roda de oração, pedindo muito pelo Lucas. Não podíamos esquecer de uma data como esta, que é o aniversário dele. É mais um motivo para encontrarmos forças e seguir nessa batalha - finalizou Mirella Lyra, irmã de Lucas.

Logo após Lucas Lyra ser baleado, a família do jovem fez uma mobilização na internet para pedir doação de sangue. A campanha deu certo e o Hemocentro de Pernambuco (HEMOPE) chegou a receber uma quantidade grande doadores, o que acabou contribuindo para outros pacientes.

O tiro que acertou a cabeça de Lucas Lyra deveria ter servido de alerta para as autoridades pernambucanas. Pouco foi feito no entanto. O Ministério Público proibiu as torcidas organizadas, envolvidas na maior parte dos casos de violência ao redor dos estádios, de frequentar os jogos.

Ainda assim, incidentes continuam a ocorrer. No último domingo, após o clássico entre Santa Cruz e Sport, o ônibus da delegação rubro-negra foi seguido por um carro e um homem apontou uma arma para os jogadores do Sport. Assustados, os atletas se jogaram no chão com medo que o pior acontecesse. Esse não foi o único caso registrado após o incidente com Lucas Lyra.

O autor do disparo contra Lucas Lyra, José Carlos Feitosa Barreto, foi preso e afirmou que o tiro ocorreu de forma acidental. Ainda assim, segundo o diretor das Delegacias de Polícia Especializada, Joselito Kehrler, ele foi indiciado por tentativa de homicídio.

- O caso já virou processo porque ele foi indiciado por tentativa de homicídio e agora é com o Ministério Público - destacou, informando que José Carlos Feitosa Barreto está em liberdade.

Torcidas organizadas

Este ano, o GLOBOESPORTE.COM/PE produziu uma série de reportagens sobre as torcidas organizadas do Náutico, Sport e Santa Cruz. A primeira destacou o amor incondicional de alguns torcedores por esses grupos. Na segunda, o poder das uniformizadas além das arquibancadas. O terceiro texto mostrou a relação financeira entre as torcidas e os clubes. Na quarta reportagem, os traumas decorrentes dos casos de violência. A mudança de rotina de moradores e comerciantes que transitam ao redor dos estádios em dias de jogo foi o tema na quinta reportagem. Os integrantes das organizadas falaram sobre as ações sociais organizadas pelos grupos no sexto texto. Por último, especialistas destacaram que a extinção das organizadas não irá resultar no fim da violência no futebol.

Torcedores do Sport foram doar sangue para Lucas Lyra (Foto: Divulgação)